Resenha: Ensaio sobre a cegueira (José Saramago)

Não sei como escrever sobre Saramago. Faz algumas semanas que concluí este livro, mas fiquei adiando essa resenha por que simplesmente não sei. Também adiei muito essa leitura, sob a premissa de que era um autor difícil, que seria um livro denso. Não foi bem assim. Saramago é difícil por que descreve o ser humano com facilidade, e isso assusta. Nessa resenha vou tentar explicar um pouco mais sobre isso. 

livro ensaio sobre a cegueira

SINOPSE

Uma terrível "treva branca" vai deixando cegos, um a um, os habitantes de uma cidade. Com essa fantasia aterradora, Saramago nos obriga fechar os olhos e ver. Recuperar a lucidez, resgatar o afeto: essas são as tarefas do escritor e de cada leitor, diante da pressão dos tempos e do que se perdeu.

O Ensaio sobre a cegueira é a fantasia de um autor que nos faz lembrar "a responsabilidade de ter olhos quando os outros os perderam". José Saramago nos dá, aqui, uma imagem aterradora e comovente de tempos sombrios, à beira de um novo milênio, impondo-se à companhia dos maiores visionários modernos, como Franz Kafka e Elias Canetti. Cada leitor viverá uma experiência imaginativa única. Num ponto onde se cruzam literatura e sabedoria, José Saramago nos obriga a parar, fechar os olhos e ver. Recuperar a lucidez, resgatar o afeto: essas são as tarefas do escritor e de cada leitor, diante da pressão dos tempos e do que se perdeu: "uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos".

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Ensaio sobre a cegueira é uma distopia. Nela temos um mundo em que, pouco a pouco, as pessoas vão se tornando cegas. Uma cegueira branca, que faz com que todos vejam apenas uma infinita névoa leitosa em sua frente. Como lidar então com uma realidade em que ninguém vê? 

Depois virou-se para onde sabia que estava o espelho, desta vez não perguntou Que será isto, não disse Há mil razões para que o cérebro humano se feche, só estendeu as mãos até tocar o vidro, sabia que a sua imagem estava ali a olhá-lo, a imagem via-o a ele, ele não via a imagem." p.38

Quando comecei a ler este livro, achei que estava confusa por conta do português de Portugal do Saramago. Depois percebi que era por conta do seu método de escrita mesmo, que é um fluxo de pensamentos narrado em terceira pessoa que não separa diálogos de narração, fica tudo misturado ali dentro de parágrafos longos e densos. Mas aos poucos você vai se acostumando: vai entrando no ritmo frenético do enredo, devorando as páginas. Por isso, se Ensaio sobre a cegueira te assustou de início, vale a pena tentar avançar um pouco mais, pois logo a coisa melhora. 

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Sobre a escrita, o que dizer? É belíssima, e fiquei surpresa com o número de trocadilhos e sacadas inteligentes que o autor conseguiu fazer a respeito da cegueira e seu significado dentro e fora do contexto da obra. Tinha trechos que eu ficava lendo e relendo pra conseguir compreender todas as camadas do que estava sendo dito, por quê era tão profundo! Sério, gostoso demais ler algo assim.

Deixa-me ver, pediu, examinou-lhe os olhos com atenção, Não vejo nada, a frase estava evidentemente trocada, não pertencia ao papel dela, ele era quem tinha de pronunciá-la, mas disse-a mais simplesmente, assim, Não vejo [...]" p. 38 

Uma escolha de Saramago foi a de não dar nome aos personagens, denominando-os com base em suas características, como "a rapariga de óculos", "o médico", "a mulher do médico",  "o primeiro cego". Foi uma escolha interessante, pois a característica escolhida para dar nome aos personagens acaba ao mesmo tempo os deixando limitado a ela e nos fazendo tentar olhar através dela. Então quem é "a mulher do médico" além de ser a esposa de um médico? Quem é "o primeiro cego" além de ter sigo a primeira pessoa que se tem registro a ser afligida pela cegueira? 

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Outro fator marcante da obra é a descrição visceral de alguns elementos dessa nova realidade. Ao serem entulhados numa quarentena improvisada, os cegos passam por momentos horríveis em condições de vida deploráveis. Há descrições escatológicas dos excrementos, da falta de higiene, do mal cheiro. Além disso, o livro apresenta cenas pesadas de estupro e agressão. Nada surpreendente num contexto quase que pós-apocalíptico, mas não deixa de ser pesado.

Quem vai morrer, está já morto e não o sabe, Que temos de morrer, sabemo-lo desde que nascemos. Por isso, de uma certa maneira, é como se já tivéssemos nascido mortos." p. 196-197

Preciso dizer ainda que me diverti muito com essa obra. Há muita inteligência nessas linhas, muitas sacadas legais. Saramago é de uma sagacidade tremenda, e vale muito a pena ler este livro. Mesmo que você já tenha visto o filme (assisti recentemente e achei bem diferente do livro, mas interessante à sua maneira). Essa experiência serviu pra me ensinar que não vale a pena ter "medo" de ler um autor só por dizerem que sua obra é difícil. Amo ser surpreendida positivamente com uma leitura, e já estou louca pra ler outras obras dele. A próxima será O homem duplicado, que já está na estante esperando pra ser lido.

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ISBN: 978-85-359-3031-3

Editora: Companhia das Letras

Páginas: 310

Nota: 5/5⭐ 

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