Vox (Christina Dalcher)

As distopias têm ganhado espaço na cena literária desde o século passado, mas nos últimos anos a busca por elas tem crescido: seja pelas clássicas ou contemporâneas. Quando O Conto da Aia passou a ganhar fama e adaptação para a TV começou a ser produzida, outro livro que começou a ser bastante comentado foi Vox, lançado no ano passado. A obra é da americana Christina Dalcher e foi publicada no Brasil pela Editora Arqueiro.
Quando li a sinopse do livro fiquei super interessada na proposta desta distopia. A ideia de um mundo onde nós, mulheres, temos a nossa própria fala limitada a apenas 100 palavras é perturbadora. Fiquei curiosa para saber como a trama se desenvolvia, e logo o livro veio parar na minha lista de desejos. Demorei a ler após a compra, mas devorei essa história nesse mês de novembro e vim contar pra vocês o que achei.

resenha livro vox

SINOPSE


O governo decreta que as mulheres só podem falar 100 palavras por dia. A Dra. Jean McClellan está em negação. Ela não acredita que isso esteja acontecendo de verdade.
Esse é só o começo...
Em pouco tempo, as mulheres também são impedidas de trabalhar e os professores não ensinam mais as meninas a ler e escrever. Antes, cada pessoa falava em média 16 mil palavras por dia, mas agora as mulheres só têm 100 palavras para se fazer ouvir.
...mas não é o fim.
Lutando por si mesma, sua filha e todas as mulheres silenciadas, Jean vai reivindicar sua voz.



sinopse livro vox

O livro começa bem, com uma narração em primeira pessoa que nos permite conhecer a protagonista além das palavras limitadas que ela pode dizer por dia. Jean é uma mulher forte, que faz tudo pelos seus quatro filhos e convive com um marido um tanto contraditório: ele ama a família, mas é funcionário do mesmo governo responsável pela opressão dela. A maior preocupação de Jean é a sua única filha menina, Sonia, que está sendo obrigada a crescer nesse sistema tão cheio de violência. 
Nessa nova configuração social instaurada nos EUA, as mulheres usam uma pulseira que contabiliza as palavras que elas usam em um dia. Se o contador chegar ultrapassar 100 palavras, elas levam um choque. A cada palavra excedida, o choque é mais forte, o que pode trazer grandes estragos. 
Eu me contenho para não xingar os homens que fizeram isso, ou os marqueteiros e seus esforços sinistros para nos convencer de que temos algum tipo de escolha. Acho que, se algum dia as coisas voltarem ao normal, eles vão usar aquele velho clichê: Eu só estava cumprindo ordens. Onde foi que já ouvimos isso? " p. 90
 A história desenvolve algumas críticas interessantes, como a influência da religião na política, o controle social através da educação nas escolas e até mesmo questões raciais. Entretanto não senti que ele aprofunda nenhuma dessas críticas, deixando tudo em segundo plano. O principal conflito está na própria família da Jane: primeiro, no temor que ela sente em relação ao futuro de sua filha, como já citei. Segundo, e eu diria que o mais perverso dos conflitos, está no fato de o seu filho mais velho estar se convencendo de que o regime é algo bom, ou que as imposições feitas pelo governo são corretas. E é difícil contrapor o filho quando só se pode usar 100 palavras por dia.
Mas tudo muda quando Jane recebe uma proposta que pode mudar tudo: após um acidente com o irmão do presidente, ela é convocada para fazer parte de uma equipe que busca tratar a afasia (perda da fala) que afligiu o homem. É que a Jane é doutora em linguística, e trabalhava numa pesquisa nessa área antes de ter sido restringida aos trabalhos domésticos. Essa proposta dá a Jane o poder de barganhar mudanças importantes e começa a trazer esperanças de que algo possa ser feito para destruir esse regime opressor.

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Todos esses elementos que citei foram, para mim, bastante interessantes. Entretanto, sinto que o livro não foi assim tão inovador. Na verdade encontrei tantas semelhanças a O conto da aia que senti que estava lendo uma fanfic. Vejam bem, não tenho nada contra fanfics. Porém a proposta do livro em nenhum momento se mostrou como tal. Isso me incomoda, pois se a intenção da autora era fazer algo inspirado na obra da Margaret Atwood, eu preferia que ela tivesse deixado isso claro.
As semelhanças são muitas, e vou citar algumas: primeiro, o próprio nome das personagens. Aqui temos Jane, em O conto da aia temos June. Ambas são mulheres que, antes da instauração de um regime opressor, não ligavam muito para movimentos sociais e feministas. Entretanto, ambas possuíam uma amiga lésbica que se envolvia com a causa. Ambas, após viver sob o regime, percebem que precisam lutar não por si mesmas, mas por suas filhas. E as semelhanças continuam...
Isso me decepcionou. Eu acho que a premissa tinha tudo para trazer algo inovador, mas o livro não conseguiu fazer isso. E da metade para o final senti que a narrativa ficou confusa, tentando incluir uma visão cientifica sobre todo o estudo a respeito da afasia que acabou não sendo lá muito interessante. O final pra mim foi uma verdadeira bagunça, e terminei a leitura bem decepcionada.

capa livro vox

PERSONAGENS 


Acho que foi em seus personagens que a autora conseguiu construir algo legal. Além da própria família da Jane, temos alguns coadjuvantes que contribuíram bastante para o crescimento da história. Gostaria de destacar primeiro a vizinha Olívia King e sua família, que são parte importante da história, assim como o personagem Lorenzo. Não vou contar muito sobre como eles ganham espaço no livro, para que vocês não recebam spoiler, mas achei que o desenvolvimento deles foi interessante. 
Mas o grande destaque para mim é Steven, o filho mais velho de Jane e que se mostra como um potencial inimigo dentro de sua própria casa. Ele é com certeza o personagem mais complexo do livro, e gostei bastante das tramas que o envolveram.

LEIA TAMBÉM: Oryx e Crake (Margaret Atwood)

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O ESTADO


Na minha opinião, as melhores distopias são aquelas que descrevem bem o governo autoritário que se estabeleceu na sociedade. Por isso 1984 e Jogos Vorazes estão no topo da minha lista de favoritos. Em Vox, alguns elementos interessantes sobre o Estado são apresentados. Para mim, o mais interessante foi o fato de que não ouve um golpe, mas que o presidente atual foi eleito democraticamente. Algo que me lembra muito a realidade brasileira...
O presidente deste livro é apoiado por uma equipe radical que integra um pastor famoso por declarações absurdas e preconceituosas: ou seja, o governo tem um forte apelo religioso. Entretanto, não são muitos os detalhes compartilhados no decorrer da história. Alguns planos chegam ao nosso conhecimento através do marido de Jane, por ele ser funcionário do governo, mas a maioria é voltado para como planejam controlar mais e mais as mulheres. Gostaria de ter visto mais a respeito da administração desse novo Estado, de suas relações internacionais, de como gerem a economia etc. 

christina dalcher

A AUTORA

Christina Dalcher escreve muito bem, o que é de se esperar de uma linguista (eu acho). Ela escolheu narrar a história em primeira pessoa, como já citei, e faz isso através de capítulos curtos, o que torna a leitura bem rápida e fluída. Em alguns pontos ela fez referência ao elemento distópico que a sociedade carrega, citando até mesmo o cenário de 1984. 
Se eu acho que Vox pode ser considerada uma obra prima? Não. Se eu leria outros livros escritos pela autora? Com certeza. Devorei essa história em poucos dias e gostaria de saber o quê mais a Christina é capaz de produzir. 

Esse post já ultrapassou 1.200 palavras, e sou grata por não ter limites por aqui. Me contem nos comentários o que acharam deste livro e me contem qual a sua distopia favorita, caso tenha 💗


ISBN: 978-85-8041-889-7
Editora: Arqueiro
Nota: 3/5 ⭐

Esta leitura fez parte do projeto #EstanteZero

24 Comentários

  1. Uau, adorei o post, e curto bastante distopias também, pelo que tu mostrou aí realmente é bem semelhante a The Handmaid's Tale. Tu acha que o material do livro é algo legal pra se adaptar em um filme?
    quanto a pergunta, é difícil escolher a distopia preferida xP, mas curto muito obras do Cyberpunk e também curto muito o universo de Dredd. Já a nossa própria realidade é um distopia bem chata xP

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    1. Acho que Vox daria sim um bom filme, e até já ouvi boatos de que possa ser adaptado!

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  2. O livro é bastante interessante quando fala da mulher, o livro tem elementos importantes, confesso que fiquei bastante curiosa, bjs.

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    1. Concordo que o livro tem sim elementos importantes! Espero que dê uma chance a essa leitura no futuro <3

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  3. gosto mt desse tipo de distopia e já ouvi falar mt desse livro que tem essa vibe do conto da aia, tenho bastante curiosidade em ler

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    1. Corre pra ler então, mulher! E não esquece de voltar pra me contar a sua opinião <3

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  4. Completissima sua resenha, realmente são muitas semelhanças com o Conto da Aia, vale a leitura para matar a curiosidade

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  5. Genteeee, poder falar só 100 palavras por dia!! Eu tava era bem ferrada kkkk Brincadeiras a parte, gostei da sinopse do livro, fiquei com vontade de ler!
    Beijos!

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    1. Espero que possa dar uma chance a essa leitura então! <3

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  6. Sempre com excelentes indicações de livros adorei

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  7. Adoro demais as suas indicações.
    Adorei a sua resenha!

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  8. muito bom esse livrro, vou procurar nas livrarias, top!

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  9. Fiquei muito curiosa para saber como se dará o desfecho. Quantas proibições! Quantos elementos abordados! Show!

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    1. Vale a pena ler pra matar essa curiosidade então! ;)

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  10. PS: meu nome é Sonia, primeiro livro que vejo que tem meu nome
    E eu adoro histórias que envolvem mulheres, não sei porque. E eu ainda sou louca pra ler o Conto de Aia

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    1. Eita, que legal isso! Que eu me lembro também nunca vi nenhum livro com o meu nome. E leia O conto da aia, você vai curtir!

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  11. Achei bastante interessante sobre o enredo, mas você falou que é meio bagunçado e fiquei meio assim "será que vale a pena comprar?" haha Mas ainda quero ler, então irei comprar. haha

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    1. Eu acho que vale a pena sim! Muita gente teve uma opinião diferente da minha em relação a este livro, então se você quer ler, vai fundo!

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  12. A premissa não deixou de ser interessante, mesmo com a autora não explicitando as semelhanças, né???

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    1. Sim sim! Foi a premissa que me conquistou e me fez comprar o livro ;)

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