Resenha: O Ateneu (Raul Pompeia)

Clássico do realismo, este livro é também considerado por alguns como o único romance impressionista da literatura brasileira, além de apresentar uma estética naturalista. Só com essa descrição já podemos entender o valor que a obra de Raul Pompeia tem dentro da cultura brasileira, e após a leitura que realizei neste ano vim aqui compartilhar com vocês as minhas impressões sobre o livro.

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SINOPSE

Neste romance do escritor brasileiro Raul Pompéia, o ouvinte fará uma imersão no universo do colégio interno denominado "Ateneu". A história é narrada por Sérgio, personagem principal, que depois de adulto descreve toda a sua experiência vivida naquele ambiente, desde sua chegada até a sua saída, anos depois, ocasionada por um inesperado e trágico evento. O Ateneu, instituição renomada da cidade do Rio de Janeiro, é comandado pelo rígido diretor Aristarco, que por seu estilo aristocrático e egocêntrico é alvo de críticas mordazes do autor, que utiliza, diretor e seu colégio, como metáfora de toda uma mentalidade de se fazer ensino e da sociedade brasileira da época.


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O livro conta a história de Sérgio, um garoto que, aos 11 anos, ingressa no Ateneu, colégio interno só para meninos. Neste colégio que de cara encanta Sérgio mas aos poucos mostra seus defeitos, o garoto vai amadurecendo e descobrindo mais sobre si mesmo e sobre o mundo. 
Logo de início já fica claro o quanto o Sérgio endeusa o Ateneu. Ele fala sobre a escola e o seu diretor como divindades, e com imenso respeito. 
Os gestos, calmos, soberanos, eram de um rei - o autocrata excelso dos silabários; a pausa hierática do andar deixava sentir o esforço, a cada passo, que ele fazia para levar adiante, de empurrão, o progresso do ensino público; o olhar fulgurante, sob a crispação áspera dos supercílios de monstro japonês, penetrando de luz as almas circunstantes - era a educação da inteligência; o queixo, severamente escanhoado, de orelha a orelha, lembrava a lisura das consciências limpas - era a educação moral." p. 16

CONTEXTO HISTÓRICO

O personagem Sérgio foi inspirado no próprio autor Raul Pompeia, que também viveu a experiência de colégio interno. A obra se passa no Rio de Janeiro no final do Império, antes da abolição da escravidão, e conta inclusive com a presença da Princesa Isabel em uma das cenas. 

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No livro está presente certa misoginia que atende aos padrões da época. Os personagens estão sempre atribuindo certos comportamentos a coisas femininas, como por exemplo, a necessidade de amparo. Considerando que são crianças, não seria natural que precisassem de amparo? Bom, não no Ateneu.
Se não houvesse olvidado as práticas, como a assistência pessoal do Rebelo, eu notaria talvez que pouco a pouco me ia invadindo, como ele observara, a efeminação mórbida das escolas. [...] sentia-me possuído de certa necessidade preguiçosa de amparo, volúpia de fraqueza em rigor imprópria do caráter masculino." p. 58 
Algumas das elucubrações de Sérgio nem mesmo me pareceram condizentes com as de uma criança de 11 anos, o que me fez pensar que elas na verdade refletem o que o autor pensa sobre aquele momento do passado no presente dele, já que ele escreve o livro como um relato de memórias autobiográficas. 


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NARRATIVA

Há momentos em que pequenas migalhas de informação vão sendo soltas, para só depois constituírem um cenário maior, o que atiçou muito a minha curiosidade. É uma ferramenta interessante da narrativa. O ritmo é muito lento, e praticamente não há diálogos, o que torna a leitura bastante cansativa. Eu só conseguia ler poucas páginas por vez. 
A neblina de melancolia, baixada sobre o colégio da altura da cordilheira, repercussão da tristeza verde das matas, pesava-me aos ombros como a loba de um seminarista, como o voto de um frade; eu passeava na circunscrição do recreio como num claustro, olhando as paredes, brancas como túmulos caiados, limitando as preocupações do espírito à minha humilhação diante de Deus, sem olhar para cima, na modéstia curvada dos brutos - anulando-me a mim mesmo na angústia do pensamento religioso, como no saco de pano bicudo, preto do farricoco."p. 84
A linguagem é um elemento marcante em O Ateneu. Para mim, o autor peca pelo excesso. São muitas descrições extensas, que apesar de bonitas acabam se tornando enfadonhas. Ele também faz muitas analogias e comparações (percebam a quantidade de vezes que a preposição "como" aparece na citação acima!!!), muitas vezes usando palavras que eu não conhecia e precisava parar para pesquisar e entender; ou seja, não foi uma leitura fácil. 

A ESCOLA

O próprio Ateneu é um personagem dessa história. É uma escola que, como instituição, ao mesmo tempo molda os alunos e é moldada por eles. Há trechos muito interessantes sobre o processo de aprendizagem da época, que era muito diferente de hoje em dia, e imensamente mais rígido. O autoritarismo e as punições estão presentes ao longo de todo o livro, não só contra Sérgio mas também outros alunos.
No ano seguinte, o Ateneu revelou-se noutro aspecto. Conhecera-o interessante, com as seduções do que é novo, com as projeções obscuras de perspectiva, desafiando curiosidade e receio; conhecera-o insípido e banal como os mistérios resolvidos, caiado de tédio. Conhecia-o agora intolerável como um cárcere, murado de desejos e privações." p. 181
As amizades e brigas entre os alunos são constantes. Os sentimentos são muito intensos, confusos, havendo construções que remetem até mesmo a um amor romântico entre alguns deles, mas que fica velado. Aristarco, o diretor do Ateneu, é um personagem icônico e até mesmo um pouco cômico. Ele é exagerado em sua rigidez, em seus discursos, além de ser bastante contraditório, mostrando aos poucos sua hipocrisia. 
São vários os alunos que cruzam o convívio de Sérgio, como Franco e Sanches, Rebelo, que é um grande observador, Nearco, muito premiado, e Bento Alves, que se torna um importante parceiro para Sérgio. Cada um acrescenta um pouco de sua personalidade a essa história. 

CONSIDERAÇÕES

O livro é um pouco confinado, principalmente por se passar quase que 100% dentro do colégio. Além disso, a opressão ali presente contribui para essa sensação. A narração é bastante pessoal, afinal além de ser em primeira pessoa, feita pelo Sérgio já adulto, ela também reflete a vivência do próprio autor.
Ao longo do livro também vemos um grande debate sobre religião. O Ateneu segue a tradição católica - entretanto, por vezes Sérgio questiona o papel da igreja e até mesmo sua fé, mudando bastante de opinião. 
Gostei de ver como as poucos Sérgio vai se tornando mais independente, tendo suas próprias ideias, deixando de se deslumbrar tanto com os outros. Sempre gosto muito de ler sobre descobertas, por isso sou fã dos romances de formação. Esse foi o aspecto que mais gostei do livro. Por mais que a premissa seja simples, a execução é complexa, cheia de idas e vindas das conclusões de Sérgio. 

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Gostei do livro, mas ele me exauriu. Não releria. Não é um dos meus clássicos favoritos, e nem recomendo como primeira opção para quem quer ler um clássico brasileiro. Vale a leitura, que tem um final um tanto trágico, mas que me agradou bastante. 
Aqui suspendo a crônica das saudades. Saudades verdadeiramente? Puras recoradções, saudades talvez, se ponderarmos que o tempo é a ocasião passageira dos fatos, mas sobretudo - o funeral para sempre das horas." p. 275 [desfecho do livro]

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ISBN: 978-65-5910-193-1

Editora: Martin Claret 

Nota: 3,5/5⭐

1 Comentários

  1. Já tentei lê-lo mas sempre me cansava a leitura e parava, deixava de lado pra depois. Talvez o leia um dia, ou não, pois creio que não seja uma narrativa do meu agrado. E a resenha muito bem feita por sinal me fortaleceu a impressão de uma leitura enfadonha

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