Resenha: A boba da corte (Tati Bernardi)

A boba da corte, novo livro de Tati Bernardi, é uma leitura que desperta sentimentos ambíguos. Com seu estilo ácido e confessional, a autora se desnuda em relatos que misturam humor, melancolia e um certo desespero silencioso diante do mundo que habita: a elite econômica e cultural de São Paulo. Ao longo das páginas, Tati compartilha episódios que vão do cotidiano banal a reflexões existenciais atravessadas por angústias muito particulares — mas que, ao mesmo tempo, ressoam em quem também já se sentiu deslocado em espaços de poder.

capa a boba da corte

SINOPSE

Para comemorar seu aniversário de quarenta e três anos, Tati decide organizar uma festa em seu apartamento, na rua Maranhão, em Higienópolis, bairro nobre de São Paulo. Durante a celebração, ela recebe uma mensagem preocupada de uma amiga contando que errou o endereço e foi parar em “um lugar medonho”: o Largo do Maranhão, no Tatuapé, bairro onde Tati cresceu. O pavor da amiga desencadeia em Tati uma crise de pânico, o que a obriga a deixar a sala, os convidados e a certeza momentânea de seu pertencimento de classe.
Além de um relato autoficcional, o livro é também um retrato ácido da elite progressista brasileira e suscita uma questão inadiável: o que os bem-nascidos e herdeiros deixam de legado para o país?
Mordaz e irônica, a protagonista não perdoa a ninguém ― nem a si mesma ―, e cutuca a ferida, torce o dedo dentro dela e depois o lambe, rindo. Ao se organizar, a raiva explode, grita “o rei está nu!”, vai aos poucos assentando, encontra seu lugar, ora ou outra veste o traje de boba da corte, e nós, leitores, no final, resfolegamos e saímos das páginas com o viço renovado. Como afirma Tatiana Salem Levy na orelha do livro, tudo parece que pode rebentar, mas “é aqui que entra a escrita, a corda que liga os pontos, que mantém firme a narradora e que prende a nós, leitores, numa espécie de fascínio hipnótico por essa mulher”.

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livro a boba da corte

Logo nas primeiras páginas, senti uma forte identificação com este livro. Não por ter vivido exatamente o que ela viveu, mas por compreender o desejo de ascensão social e o desconforto que muitas vezes acompanha esse movimento. É aquela coisa de estar em um restaurante sofisticado, ou num evento elegante, entre pessoas que nasceram nesse meio, e sentir que, apesar da conquista, ainda somos olhados como invasores. Há beleza em romper barreiras, e gosto da sensação de ter cruzado algumas. Tati também parece gostar. O problema é que, ao longo do livro, essa travessia se revela menos combativa do que aparenta.

Nas entrelinhas, percebi uma condescendência que incomoda. Tati ironiza, critica, expõe as contradições do mundo que a cerca — mas também se submete a ele, tenta se adequar, se perder em meio aos mesmos códigos de aparência e status que tanto ridiculariza. E isso entristece. Lia e pensava: se ela odeia tanto esse povo, por que continua tentando imitá-los? Por que não rompe de verdade com tudo isso, já que possui uma consciência tão clara dos absurdos e dos vazios desse estilo de vida?

Claro, não acho que seja obrigação de ninguém ser exemplo de nada. Tati não escreve com esse propósito. Suas palavras são viscerais, expõem vulnerabilidades reais, e há uma honestidade bruta que sustenta o livro. Mas a experiência que ela narra, marcada por uma adesão a valores que a própria autora demonstra desprezar, acaba tornando o livro menos potente do que poderia ser.

Ainda assim, é impossível negar os méritos da escrita. Tati tem uma prosa ágil, íntima, que nos prende e nos diverte. Ri sozinha em vários momentos, me peguei surpresa com a coragem com que ela se expõe. É uma leitura leve no ritmo, mas densa no conteúdo, mesmo que às vezes pareça girar em torno do próprio umbigo. A sensação que fica é a de um desabafo elegante — ou de uma autoanálise feita com taça de vinho na mão e uma certa dose de autoflagelo.

***

Por fim, é importante lembrar que não estamos lendo apenas uma mulher angustiada em sua busca por pertencimento. Estamos lendo a Tati Bernardi: roteirista, colunista, figura pública, com trajetória marcada por algumas polêmicas e uma posição de prestígio consolidada. Isso, inevitavelmente, colore a leitura com outras camadas. O livro, que à primeira vista parece um olhar de dentro para fora, por vezes soa como um lamento de quem está dentro, mas não quer (ou não consegue) sair.

Apesar dessas contradições — ou talvez por causa delas — A boba da corte vale a leitura. É um bom retrato da mente inquieta de uma mulher atravessada por privilégios e incômodos, que nos ajuda a entender melhor como pensa uma certa elite cultural brasileira. Recomendo a quem tem curiosidade sobre as neuroses da classe média alta paulistana, e a quem gosta de crônicas que misturam humor e angústia na mesma medida.

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ISBN: 978-65-6000-087-2

Editora: Fósforo

Nota: 3/5 ⭐

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